Por Thatyane Nardelli
Comunicação CFC
Ao olhar para o mercado de trabalho e para o setor educacional, ainda há muito a ser feito para que a comunidade LGBTI+ conquiste um lugar de igualdade em relação aos demais. Apesar dos avanços nos últimos anos, ainda são perceptíveis inúmeras barreiras para a ascensão profissional dessas pessoas, especialmente para as pessoas transgêneras. Dados de uma pesquisa realizada pelo Center for Talent Innovation, revelam que 61% de funcionários gays e lésbicas decidem esconder sua sexualidade de gestores e colegas em razão do medo de perderem o emprego.
Nesses 75 anos de existência do Sistema CFC/CRCs, o diálogo avançou com a inclusão de comissões sobre o tema nos Conselhos Regionais de Contabilidade (CRCs) e, ainda, com o direito de candidatos usarem o nome social na prova do Exame de Suficiência, porta de entrada para profissionais estarem aptos a exercerem a profissão. “Desde 2019, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) adotou o direito do uso do nome social de candidatos do exame justamente porque, além de ser algo muito importante nas relações sociais, ele caminha junto com a aparência”, explica o presidente do CFC, Zulmir Breda. “Os dois [o nome e a aparência] são as primeiras coisas que identificam uma pessoa, por isso, precisamos respeitar essa identidade”, completa.
A discussão desse assunto se torna cada vez mais urgente, tendo em vista a sua responsabilidade social e os desafios que esses indivíduos ainda enfrentam em suas respectivas carreiras. No entanto, para que esse diálogo seja realizado, é necessário entender. A sigla LGBTI+ significa:
- L: Lésbicas – mulheres que se identificam com seu gênero e têm preferência sexual por mulheres;
- G: Gays – homens que se identificam com seu gênero e têm preferência sexual por homens;
- B: Bissexuais – pessoas que têm preferência por dois ou mais gêneros;
- T: Transgêneros (engloba as travestis, as mulheres transexuais e os homens trans) – pessoas que não se identificam com os gêneros que lhes foram atribuídos na hora do nascimento, baseados em seus órgãos sexuais;
- I: Intersexos – pessoas não definidas distintamente como homens ou mulheres (antigamente denominadas como hermafroditas); e
- +: outras letras, como Q de Queer e A de assexual.
Ainda segundo a pesquisa da Center for Talent Innovation, 33% das empresas do Brasil não contratariam para cargos de chefia pessoas LGBTs; 41% dessas pessoas afirmam terem sofrido algum tipo de discriminação em razão da sua orientação sexual ou identidade de gênero no ambiente de trabalho; e 90% das travestis se prostituem por não terem conseguido nenhum outro emprego, até mesmo aquelas que têm boas qualificações.
Lésbica, assistente social e professora de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (URFN), pesquisadora e doutoranda em Serviço Social, Rayane Noronha Oliveira afirma que “nós não conseguimos nem ter estatísticas conclusivas sobre a morte e discriminação da população LGBTI+ porque vivemos no país que, proporcionalmente, mais mata essa população e não temos um processo confiável de apuração desses crimes”, ressalta. “Pesquisas e apuração sobre o tema são realizadas por meio de ONGs e grupos políticos que realizam essas pesquisas em relação aos direitos civis dessas pessoas”, completa.
Apesar desse cenário assustador, os debates e discussões sobre o tema têm aumentado. Compreendendo essa necessidade, o Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande Sul (CRCRS) instalou, este ano, a Comissão CRCRS Plural & Inclusivo, que tem como principais pautas promover a inclusão da diversidade nos espaços de poder. “Temos como objetivo formar lideranças com diversidade étnico-racial, de gênero, pessoas com deficiência, LGBTI+ e outras demandas relacionadas aos direitos humanos de pessoas ou grupos vulneráveis”, diz a coordenadora do grupo, contadora há 20 anos e professora universitária, Cristiane Teresinha Domingues. “Também estamos trabalhando a transversalidade na promoção da diversidade nas comissões de estudo do Conselho e promovendo a discussão e o debate do tema diversidade, criando um ambiente de respeito e valorização das diferenças”, conclui.
Escolas, empresas e os direitos LGBTI+
Entre a comunidade, é comum o relato de pessoas que acabaram não conseguindo concluir os estudos por diversos fatores, como o abandono familiar, o preconceito de colegas e professores e até mesmo da instituição onde estudavam. Hoje, Cristina tem sua carreira consolidada, mas nem sempre foi assim. “Ao longo da minha carreira, tive muitas oportunidades de crescimento, mas no início foi difícil. Eu tinha como objetivo trabalhar na área de auditoria, mas, devido a meu gênero e etnia, na época acabei não conseguindo atuar na área. Refiz os planos e segui em frente, crescendo em outras áreas da contabilidade”, conta ela.
“É preciso intensificar esse diálogo e ressaltar os direitos que esse público tem, como o uso do nome pelo qual a pessoa se identifica ou nome social; a garantia à pessoa trans em poder utilizar o banheiro do gênero com o qual ela se identifica, além de professores, em todos os ambientes acadêmicos, preparados para lidar com esses alunos e para preparar os demais estudantes para lidar e entender esses direitos”, ressalta Noronha.
Hábitos, culturas e tradições que um grupo de colaboradores de instituições e empresas fomentam a diversidade. No entanto, é necessário que elas identifiquem, registrem e trabalhem isso para o avanço do respeito. “A comissão iniciou suas atividades em janeiro deste ano, com o planejamento das ações que serão realizadas. Desta forma, entendemos que ainda não temos dados suficientes para mensurar esses ganhos. Entretanto, podemos dizer que o fato de o CRCRS ter criado a nossa comissão é um ganho para a classe contábil, além de acreditar que o Sistema CFC/CRCs deu os primeiros passos para progredir neste contexto”, ressalta Cristiane. Uma constatação disso é o número de mulheres em cargos de liderança nos Conselhos Regionais. Isso prova que estamos evoluindo, mas que ainda precisamos avançar. “Tenho certeza de que outros CRCs também abrirão este espaço, pois é uma pauta atual da sociedade”, torce a coordenadora da Comissão CRCRS Plural & Inclusivo.
Todo e qualquer cargo declarado por pessoas LGBTI+ que atuam em grandes cenários profissionais não é à toa, mas um grande ato de resistência e promoção ao diálogo sobre o tema na sociedade brasileira em geral. Assim como o CRCRS, o Conselho Regional de Contabilidade de São Paulo (CRCSP) percebeu essa necessidade e criou um grupo para acolher e debater sobre o tema.
Daisy Christine Hette Eastwood é conselheira efetiva, vice-coordenadora da Câmara de Registro e coordenadora do GT Diversidade e Inclusão do CRCSP, grupo de trabalho instituído em 26 de maio de 2020. É autodeclarada lésbica e atuante na área de direitos humanos, a frente da Comissão Municipal de Diversidade Sexual de Santos/SP; representante municipal da Aliança Nacional LGBT; presidente da Associação de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros de Santos (APOLGBT Santos); além de vice-presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB Subseção Santos e membro da Comissão de Direito Homoafetivo e de Gênero do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), também em Santos/SP.
Segundo ela, o grupo tem cumprido seu papel e aumentado o debate desses temas entre a classe contábil de São Paulo. “Já protagonizamos imersão nas causas de pessoas com deficiência e igualdade étnica e racial, trazendo a discussão e a sensibilização dos temas para o profissional da contabilidade e para as empresas de auditoria, perícia, contabilidade e para a organização de grupos de D&I internos, ligados ao RH”, revela.
Esse trabalho é de extrema importância para profissionais que já estão no mercado de trabalho. Imagine a diversidade de hábitos, culturas e tradições que um grupo de colaboradores de uma determinada empresa ou instituição pode ter. Imagine agora como pode ser a relação e a conexão das equipes diante de toda essa diversidade. “Precisamos fomentar a inclusão de todas as pessoas no ambiente de trabalho e na sociedade, nos posicionando contra o racismo, a homofobia e outros tipos de preconceito que nunca tiveram sentido de existir. Como entidade que representa 150 mil profissionais registrados, temos orgulho de defender uma sociedade diversa e inclusiva, que trabalhe pela paz e pelo fim da violência”, reflete o presidente do CRCSP, José Donizete Valentina.
A conselheira Daisy explica que, apesar de relacionados, diversidade e inclusão são termos distintos. O primeiro diz respeito à pluralidade dos indivíduos, às semelhanças e diferenças que os tornam únicos dentro da organização. Já o segundo, a inclusão, se refere à integração desses indivíduos entre si e na organização em que estão inseridos. Garantir chances iguais de desenvolvimento e ascensão profissional e a oportunidade de se expressarem enquanto indivíduos são as questões que diferem empresas realmente inclusivas das que não estão preocupadas de fato com seus diferentes públicos.
Provavelmente, novos grupos serão criados e isso não é algo planejado, pelo contrário, esse é um comportamento natural do ser humano, uma vez que as pessoas se agrupam por afinidades e interesses. “Vivemos em um mundo onde são recorrentes episódios de racismo, xenofobia, misoginia, LGBTIfobia, bem como manifestações de todo tipo de preconceito no mercado de trabalho”, lembra Daisy. “Mas, também, reconhecemos os avanços obtidos nos últimos 20 anos nestes mesmos espaços. As empresas vêm trabalhando significativamente na construção de locais de trabalho mais inclusivos. Além de ser a coisa certa a se fazer, é perceptível que políticas inclusivas são positivas para os negócios. Ainda há muito a se conquistar em termos de sociedade e de respeito ao diverso, mas isso depende do trabalho e da dedicação de cada um de nós”, ressalta ela, que também atua na Associação Mães pela Diversidade, de abrangência nacional, como “mãe” e diretoria jurídico-financeira.